“Eu amo a capoeira. Amo tanto a capoeira que se tiver um doente para morrer ali, precisando de uma vela e mandarem eu comprar uma vela para ele… Se eu ouvir um gunga tocando… Bom, ele vai morrer. Sem a vela.”
Sambador como poucos. Capoeirista de primeira grandeza. Cantador fora de série, batuqueiro, conhecedor e participante de afoxé, Terno de Rosas, Chegança, Rancho do Boi. Esse era o Mestre Quadrado.
Em primeiro de julho de 1925 nasceu Gerson Francisco da Anunciação na Gamboa/Vera Cruz, Ilha de Itaparica. Órfão por parte de mãe, ainda muito cedo foi abandonado pelo pai. O mesmo pai que não queria, de jeito nenhum, que ele aprendesse capoeira. Para nossa sorte, o menino foi desobediente e resolveu ir atrás do berimbau.
Considerava seu principal mestre na capoeira um pedaço de bananeira. Durante muitos anos, vários capoeiristas quiseram que o mestre mostrasse a eles como tinha sido esse aprendizado com a bananeira. Ele não contava. De acordo com Seu Gerson, ainda pequeno ele viu um senhor chamado Julio da Penha treinando com a bananeira e passou a imitá-lo. Além da planta, passou por mestres de carne e osso, como Bitonha e Reginaldo.
Mas a vida não era só capoeira: sustentava suas três irmãs mais novas desde pequeno, quando seu pai partiu. Pescando, mariscando, trabalhando no cal da Ilha, nas docas de Salvador. O trabalho pesado foi endurecendo e fazendo crescer o corpo do pequeno Gerson, que ficou muito forte. A ponto de parecer um “quadrado”.
Mestre Gerson Quadrado contava das suas “corridas” da polícia, na antiga rampa do antigo Mercado Modelo. Pandeiros furados, ter que se esconder dentro de tonéis, em saveiros ou, se desse sorte, na casa de amigos para fugir da repressão. A perseguição à capoeira, que muitos hoje lêem em livros de história, foi vivida na pele por esse grande homem.
Todos que conviveram com Seu Gerson garantem: era de um caráter raro de se ver hoje. Prezava o cultivo da verdade sob qualquer circunstância. Era um homem de princípios, inflexível. “Passei fome- mas o que era dos outros, graças a Deus, nunca peguei. Porque não era meu.” São muitas as histórias contadas sobre a honestidade e a simplicidade desse capoeirista, que conviveu com Cobrinha Verde, Aberrê, Caiçara, Canjiquinha, Pastinha.
Manteve, em frente à bodega de Mané Zambeta, na Ilha de Itaparica, uma roda de capoeira por muito anos debaixo de um grande cajueiro. Roda por onde passaram grandes nomes da capoeira, famosos hoje ou não.
Além da capoeiragem, Mestre Gerson Quadrado virou lenda também no samba. Foi um dos grandes mestres dessa arte. Chegava a cantar 50 chulas sem parar para pensar. Tocava, conhecia os fundamentos, desafiava. Aprendeu com Mané Zambeta, Vitaliano, Luiza, Teófilo (Gago) Lopes e Chico da Viola.
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