
Se você procurar o verbete ZUNGU no dicionário Aurélio, vai encontrar o seguinte:
ZUNGU (do quimbundu nzangu, barulho). S.M. Bras. S. l. V. cortiço (2) “São os míseros escravos das senzalas, dos zungus e cafundós... festejando o São João, dançando o cateretê.” (Martins Fontes, A Dança, p 90) 2. Conflito sem gravidade; bagunça, confusão, desordem.
No dicionário Banto, de Nei Lopes, a definição é um pouco diferente: ZUNGU, s.m. (1) cortiço, caloji. (2) desordem, barulho (FF). (3) Baile reles. (4) Habitante de cortiço (CT) – do quimbundo nzangu, barulho, confusão, conflito. Q. v. tb. O quicongo nzungu, panela, caldeirão.
Mas, na história do negro no Brasil, ZUNGU é muito mais do que isso. Esse era o nome pelo qual eram conhecidas as “casas de angu” no Rio de Janeiro do séc. XIX (lugares de panelas e de barulho, festa e confusão, uma soma de nzangu e nzungu).
O zungu foi uma instituição do século retrasado pouco conhecida e estudada pelos historiadores. Até que o professor Carlos Eugenio Líbano Soares resolveu estudá-la a fundo.
No século XIX, o principal alimento dos escravos era o angu. Servido em panelas nas ruas, preparado por mulheres negras, principalmente na região portuária e de comércio. Adquirindo um certo dinheiro, essas mulheres se mudam para casas no centro do Rio e transformam essas casas em verdadeiros centros de resistência negra.
As casas de angu eram verdadeiros quilombos dentro das cidades, onde os negros faziam seus batuques, suas danças, reverenciavam seus orixás, inquices e voduns. Os Zungus formavam uma rede de apoio aos escravos fugidos e africanos recém chegados, eram casas que recebiam escravos e libertos de todo o Brasil (muitos da Bahia, que trouxeram do Recôncavo sua cultura) e do mundo. Ali era o centro da cidade negra, a cidade escondida.
Muitos zungus eram quitandas e moradias ao mesmo tempo. As ruas estreitas e casas com arquitetura diferente da atual criavam verdadeiros labirintos e becos escondidos e um zungu era um ótimo esconderijo. Dessa época, surgem reclamações em jornais sobre os “barulhos dos negros” nos zungus e inúmeras prisões. Até na lei o zungu foi parar, em 1835.
Nos Zungus, comandados na sua maioria por essas mulheres negras ou libertos minas, a cultura “urbana negra brasileira” se desenvolveu. Nos Zungus, os negros, que tiveram seus familiares separados, criaram novas famílias. Ali, os capoeiras se refugiavam e trocavam informações, praticando suas cabeçadas, rasteiras e rabos de arraia. Zungu é o “rumor de muitas vozes”, casa de liberdade e resistência, local de tradição africana e brasileira, uma rede familiar e de irmãos. Isso, no século XIX e, agora, no século XXI.
A imagem é uma gravura de Debret, chamada NEGRAS VENDEDORAS DE ANGU (1834-1839).