sexta-feira, 25 de março de 2011

Perfil- Mestre Gérson Quadrado: a alma da Ilha


“Eu amo a capoeira. Amo tanto a capoeira que se tiver um doente para morrer ali, precisando de uma vela e mandarem eu comprar uma vela para ele… Se eu ouvir um gunga tocando… Bom, ele vai morrer. Sem a vela.”

Sambador como poucos. Capoeirista de primeira grandeza. Cantador fora de série, batuqueiro, conhecedor e participante de afoxé, Terno de Rosas, Chegança, Rancho do Boi. Esse era o Mestre Quadrado.

Em primeiro de julho de 1925 nasceu Gerson Francisco da Anunciação na Gamboa/Vera Cruz, Ilha de Itaparica. Órfão por parte de mãe, ainda muito cedo foi abandonado pelo pai. O mesmo pai que não queria, de jeito nenhum, que ele aprendesse capoeira. Para nossa sorte, o menino foi desobediente e resolveu ir atrás do berimbau.

Considerava seu principal mestre na capoeira um pedaço de bananeira. Durante muitos anos, vários capoeiristas quiseram que o mestre mostrasse a eles como tinha sido esse aprendizado com a bananeira. Ele não contava. De acordo com Seu Gerson, ainda pequeno ele viu um senhor chamado Julio da Penha treinando com a bananeira e passou a imitá-lo. Além da planta, passou por mestres de carne e osso, como Bitonha e Reginaldo.

Mas a vida não era só capoeira: sustentava suas três irmãs mais novas desde pequeno, quando seu pai partiu. Pescando, mariscando, trabalhando no cal da Ilha, nas docas de Salvador. O trabalho pesado foi endurecendo e fazendo crescer o corpo do pequeno Gerson, que ficou muito forte. A ponto de parecer um “quadrado”.

Mestre Gerson Quadrado contava das suas “corridas” da polícia, na antiga rampa do antigo Mercado Modelo. Pandeiros furados, ter que se esconder dentro de tonéis, em saveiros ou, se desse sorte, na casa de amigos para fugir da repressão. A perseguição à capoeira, que muitos hoje lêem em livros de história, foi vivida na pele por esse grande homem.

Todos que conviveram com Seu Gerson garantem: era de um caráter raro de se ver hoje. Prezava o cultivo da verdade sob qualquer circunstância. Era um homem de princípios, inflexível. “Passei fome- mas o que era dos outros, graças a Deus, nunca peguei. Porque não era meu.” São muitas as histórias contadas sobre a honestidade e a simplicidade desse capoeirista, que conviveu com Cobrinha Verde, Aberrê, Caiçara, Canjiquinha, Pastinha.

Manteve, em frente à bodega de Mané Zambeta, na Ilha de Itaparica, uma roda de capoeira por muito anos debaixo de um grande cajueiro. Roda por onde passaram grandes nomes da capoeira, famosos hoje ou não.

Além da capoeiragem, Mestre Gerson Quadrado virou lenda também no samba. Foi um dos grandes mestres dessa arte. Chegava a cantar 50 chulas sem parar para pensar. Tocava, conhecia os fundamentos, desafiava. Aprendeu com Mané Zambeta, Vitaliano, Luiza, Teófilo (Gago) Lopes e Chico da Viola.

Mestre Gerson Quadrado, mesmo tendo tido fama de valentão quando jovem (fama assumida por ele mesmo em depoimentos gravados) era cheio de carinho e atenção com quem o cercava. Falava com doçura com aqueles que ganhavam sua confiança, que podiam inclusive ter a sorte de aprender um samba raro com esse grande homem.
Talvez esse jeito carinhoso tenha aparecido por ele estar sempre cercado de mulheres: 3 irmãs, a mulher Balbina, seis filhas e umas vinte netas. Uma das suas irmãs, Dona Aurinda, aparece no maravilhoso documentário "Cantador de Chula" tocando seu prato.

Mestre Jaime de Mar Grande era muito próximo a Mestre Gerson. Os dois nasceram na Ilha, viveram bem pertinho. Ele contou certa vez, em um evento em São Paulo, que Mestre Gerson Quadrado se afastou durante um período do mundo da capoeira. Mas que esse afastamento se deu por amor. O velho mestre amava tanto a capoeira que não podia ver as fofocas, os “disse-me-disse” dos capoeiristas. E, para não se chatear com a capoeira, preferiu se afastar. Mas o amor falou mais alto (com uma ajudinha de Mestre Jaime) e Mestre Gerson voltou ao mundo da capoeiragem. Outro mestre que teve um bom convívio com Mestre Gerson foi Mestre Lua Rasta, aprendendo com ele e o homenageando em vida sempre que possível.

A capoeira e o samba de roda devem muito a esse homem que, infelizmente, nos deixou em 17 de abril de 2005.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Apresentação de final de ano


As crianças e adolescentes da nossa Escola fazem uma apresentação todo final de ano. Em 2010 essa apresentação se deu na forma de uma peça de teatro. Que foi especial por muitos motivos.
Pela primeira vez crianças e adolescentes da nossa comunidade se apresentaram em um grande teatro do bairro. O Teatro Maria Della Costa foi invadido por nossos alunos. Orgulho para pais e familiares que sempre passavam em frente ao teatro sem nunca nem mesmo ter assistido a uma peça por lá.
Outro motivo que fez esse dia especial foi a peça em si. Foi Teatro (com T maiúsculo) de alto nível. O texto foi criado coletivamente. Depois de um tempo de preparação corporal, de voz, leituras de texto, nossos atores fizeram uma peça de deixar muito marmanjo com inveja. Chamado "O berimbau mágico", o espetáculo contava um pouco a história do bairro, sua origem negra, falava da população nordestina atual e apresentava nada menos que 8 quadros: Jongo, Coco, Ciranda, Frevo, Maculelê, Puxada-de-Rede, Capoeira e Samba-de-Roda. Todos os números cantados e tocados pelas crianças (menos o frevo).
Mais do que emocionante, inesquecível. Terminada a peça sob aplausos emocionados, para comemorar, uma roda de capoeira no palco fechou tudo com chave de ouro.

terça-feira, 22 de março de 2011

Retomando as postagens

Um final de ano corrido e um começo de 2011 ainda mais cheio de trabalho atrasou um pouco as postagens do blog. Abaixo, três postagens que são um pequeno resumo do que aconteceu enquanto estivemos "fora da rede".
Pedimos desculpas a todos os leitores do Brasil e do resto do mundo pela falta de informações. Mas ainda essa semana, muita coisa nova por aqui. Acompanhem.

Os tambores bateram. E muito.

Nosso evento "Batendo Tambor" aconteceu em novembro de 2010. Foi uma troca de experiências e ritmos que marcou a vida de muita gente.
A programação começou com nosso vizinho, o Babalorixá Francisco de Oxum falando um pouco sobre os tambores na tradição religiosa dos orixás. Na seqüência, Mestre Môa do Katendê passou uma bela aula de dança afro e afoxé.
No dia seguinte, Mestre Lua Rasta aqueceu a todos com uma oficina de ritmos e dança que fez a casa, literalmente, tremer. Seguimos em bando pelas ruas do Bexiga tocando tambores e berimbaus até nossa primeira roda do evento. Livre, de rua, sob o comando de Mestre Ananias. Para abrir a roda, sem que ninguém esperasse, baixaram ao pé do berimbau Mestre Cobra Mansa e Mestre Russo de Caxias.
Sábado foi um longo e grande dia, com oficinas de capoeira angola com Mestre Cobra Mansa (seguida de roda), percussão pernambucana com Mestre Barrão, capoeira com Mestre Russo de Caxias e um aulão com Mestre Ray. Ao final, mais uma grande roda de capoeira.
Domingo começou com Mestre Negoativo mostrando a percussão de Minas Gerais e emendando em uma roda com energia incrível. Mestre Bigo (Francisco 45) que sempre está na nossa casa, foi um dos que apareceram para jogar.
Para fechar com chave de ouro, ninguém menos que Mestre Ananias comandando o samba do grupo Garôa do Recôncavo. Todo mundo caindo no samba, dos Mestres Limãozinho e Zumbi até as crianças da nossa escola. Os tambores mostraram mais uma vez sua força ancestral na Bela Vista.







Timor Leste: a força de um povo


Nas viagens à Ásia, a Escola Cultural Zungu Capoeira ganhou um presente mais do que especial: conhecer nossos amigos timorenses. Tudo começou no primeiro Brasil Visita (http://brasilvisita.blogspot.com/2009/03/convidados-especiais.html).
Aos poucos, descobrimos muito mais sobre a história daquele grupo de garotos que, na verdade, são homens. Homens que se juntaram e formaram sua própria ONG, cuidam de si mesmos, negociaram espaços para as crianças brincarem e adotaram a capoeira como sua identidade e instrumento de paz e união. O MAC (nome da ONG) hoje faz parte da Escola Cultural Zungu Capoeira. Em um país em reconstrução, que terá ainda um belo futuro graças ao seu povo especial, a capoeira tem seu lugar. Na última viagem, o grupo de brasileiros foi recebido por ninguém menos que o Presidente do Timor Leste, o herói nacional e Prêmio Nobel da Paz José Ramos-Horta e pelo Embaixador do Brasil.
Um dos nossos eventos lá se chamou Capoeira Lutando Pela Paz. É isso que os jovens de lá começaram sozinhos, ainda crianças: uma luta sem igual em busca de paz e de futuro. Do jeito que podemos, ajudamos também aqueles jovens e o Timor Leste a se reerguerem. Foi um compromisso firmado por nós, o de levar sempre um pouco mais da nossa cultura para lá. Eles acham que aprendem com a gente. Na verdade, nós que aprendemos muito mais com eles.
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A Ásia cada vez mais perto


Já virou tradição: no mínimo uma vez por ano (agora estamos tentando sempre duas vezes) a Escola Cultural Zungu Capoeira vai até a Ásia.
Nossa base lá é a Indonésia. País que já virou amor antigo, relacionamento estável e seguro, que só melhora a cada dia. A troca de culturas e de informação aumenta e o respeito pelo povo de lá também. Capoeiristas de verdade e com fundamento estão nascendo por lá.
Em 2010 foram duas grandes viagens até o outro lado do mundo. Na primeira, Cacá, Guilherme, Vitor, Marcelo (Ngolo Ia Muanda). Na segunda, Cacá, Anderson, Iaco (e a Lilica, que mora na Malásia).
Foram dias (na verdade, meses) de muito trabalho e dedicacão à capoeira e à cultura popular.
Para saber mais, é só acessar os blogs brasilvisitaII.blogspot.com , intercambiobrasilasia.blogspot.com e o primeiro blog, brasilvisita.blogspot.com . Vai lá e viaje com a gente.